sexta-feira, 31 de março de 2017

BÁRAA, A PESSOA x ÈSÙ BARÁ DO CORPO
CULTURA YORUBA


Luiz L. Marins


1. Introdução:
Não sabemos como a palavra “Bára”, pura e simples, pode significar "Rei do corpo" ou
"Èsù do corpo". A tentativa de dizer que ela deriva de Òbàrà não se justifica, pois esta
palavra quer dizer apenas, um dos odù (signo divinatório) de Ifá (oraculo iorubá).
Na minha visão, “Èsù do corpo” não existe na concepção de Noção de Pessoa Iorubá.
Isto é um erro conceitual infelizmente largamente utilizado em teses acadêmicas.
Buscando esclarecimentos consultamos os dicionários, que se não clarificam os
conceitos filosóficos, pelo menos explicam as palavras.
Vejamos alguns significados de Bara (observem os tons):

bàrà = melancia > citrullus vulgaris.
bàrà = mausoléu real onde são enterrados os Aláààfin.
bàrà = bàrà-bàrà = correr esquivando-se ou movimentando de um lado para o outro.
bára = encontro, reunião.
bárà = uma coisa podre.
bààrà = expressão ligada ao ato de defecar.
báárà = o ato de estar começando algo.
bárá-bárá = o ato de amarrar algo com firmeza.
bára-bàra = fazer algo superficialmente
Báraa, pg. 87
Bá [...] B. […] ó báraare ni wájúùmi > ele encontrou-se na minha presença […] mo
bárãàmi nílé náà > eu me encontrei naquela casa […].
Gbara, p. 235.
Gbara x ó ti gbara di (he is fully equiped) ele está completamente equipado [para
realizar algo].
2
bàrà = planta rasteira que fornece o óleo de semente egunsi.
bara = deus do engano, o demônio, Ifá. [não concordamos com isto, mas é o que
consta]
bárabára = pequena quantidade.
bàrabàra = rapidamente, apressadamente.
2. CONCEITOS
Como vimos, enquanto “Bara” possui vários significados conforme o tom aplicado; já
“Báraa”, é uma expressão relacionada com a própria pessoa. Retomando, temos:
ó báraare ni wájúùmi > ele encontrou-se na minha presença
mo bárãàmi nílé náà > eu me encontrei naquela casa
Equivocadamente, este conceito de pessoa, possivelmente por similaridade fonética, foi
associado a Èsù, tornando Èsù do corpo, vindo a ser atualmente “fundamento” em
algumas casas religiosas de matriz africana, possuindo até mesmo assentamento próprio.
Tenha em mente que NÃO refiro-me aqui ao assentamento do Òrìsà Bará
(especialmente o batuque do R.S.)
Como dissemos, esta é uma expressão que deve ser utilizada para o conceito de Noção
de Pessoa, e não de Òrìsà. Visa significar a própria pessoa, ou, metafisicamente, o
espírito que acompanha (bá) o corpo (ara).
É associado à vasilha de búzios que representa a pessoa nos assentos individuais, pois o
“Bára um dos nomes com que se chama a vasilha com búzios, que faz parte das
representações individuais do iniciado, cujos búzios, futuramente, o mesmo efetuará a
divinação”. (Aulo Barreti Filho, informação pessoal).
A outra palavra, gbara significa “a parafernália completa ou conjunto de coisas de algo
ou alguém”, e quando aplicada sobre os assentamentos religiosos, toma uma conotação
especial porque, todos os elementos que compõe o assentamento de um determinado
Òrìsà, juntos, podem ser chamados de gbara Òrìsà, e que em português, foneticamente,
torna-se simplesmente “bara de Orixá”.
Da mesma forma, o conjunto de elementos que forma o assentamento de Orí, pode ser
chamado de gbára Orí, “bara de Orí”, isto é, o conjunto de coisas que forma o
assentamento de Orí.
Como na língua portuguesa não existe o fonema “gb” [guibe], a letra “g” é suprimida,
tendo seu fonema alterado para “b” [be], tornando-se a palavra gbara, simplesmente
“bara”.
Este é mais um dado complicador, pois, quando em um texto aparece a expressão “bára
do Òrìsà” ou “bára do Orí”, não sabemos o quis dizer o autor, nem ao que exatamente
se refere. Talvez, nem mesmo o autor saiba.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acreditamos que a confusão conceitual que ocorreu (e ainda ocorre), não seja produto
de improbidade, mas antes, resulta da falta de informação, e de uma apressada tradução
de palavras iorubás, sem uma pesquisa mais apurada.
Wande Abimbola (1982, p. 75) já avisava sobre o perigo da coleta da tradição oral no
campo, o instrumento de coleta, a transcrição para o papel da palavra coletada, e da
tradução, dizendo que “neste ponto alguém pode perguntar se foi empregado o melhor
método na coleta, transcrição e tradução. Isto é uma questão importante, que deve ser
olhada com atenção”.


REFERENCIAS
ABIMBOLA, Wande. “Notes on the Collection, Transcription, Translation and Analysis
of Yoruba oral Literature”, in, AFOLAYAN, Adebisi (Org.) Yoruba Language e
Literature, Ife, University of Ife, 1982.
ABRAHAM, R. C. Dictionary of Modern Yoruba, London, Hodder and Stoughton,
1962 [1946].
CMS. A Dictionary of the Yoruba Language, Ibadan, University Press of Ibadan, 2001
[1913].


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